As horas que faltam: jornadas, cansaço e o mundo do trabalho

As discussões recentes sobre folgas, jornadas e condições de trabalho ganharam força quando se propôs o fim da escala 6x1 e, embora o debate tenha perdido visibilidade, ele permanece vivo na experiência cotidiana das equipes que sustentam o funcionamento das organizações. A pesquisa do Datafolha indicando que 64% da população apoia mudanças nesse modelo revela mais do que opinião; mostra um esgotamento social acumulado, quase uma denúncia coletiva de que a exaustão deixou de ser exceção e se transformou na regra silenciosa que orienta o ritmo de muitos setores.

Você sabe bem que ninguém deveria precisar de estatística para entender que trabalhar seis dias e descansar um produz uma matemática de esgotamento físico e emocional que nunca fecha. A conta de horas até pode caber na planilha, mas a conta do corpo e da subjetividade manifesta-se em irritação, lapsos de memória, fadiga, conflitos evitáveis, pequenos erros que se acumulam e uma sensação difusa de que a vida está passando sem que a pessoa consiga habitá-la por inteiro. E não estamos falando de romantização do descanso, mas de algo simples: o ser humano não tolera longos períodos de disponibilidade emocional e cognitiva sem um espaço real de recuperação. 

A dinâmica dos plantões reforça esse cenário, já que muitos ambientes tratam longas jornadas como requisito operacional e não como exposição prolongada a demandas intensas. Quem já cumpriu um plantão sabe que não existe neutralidade no corpo de alguém que está há muitas horas resolvendo problemas, cuidando de pessoas, respondendo a demandas urgentes e administrando crises que se multiplicam como se tivessem aprendido a aparecer na hora menos oportuna. A pessoa deixa o plantão fisicamente presente, mas emocionalmente atrasada algumas horas em si mesma, como se ainda estivesse decodificando tudo o que viu, sentiu e precisou administrar enquanto o mundo continuava exigindo eficiência.

A permanência dessas estruturas dentro das instituições revela como a precarização do trabalho segue avançando, mesmo depois de décadas da consolidação dos direitos trabalhistas no Brasil, criando um paradoxo inquietante em que dispositivos legais coexistem com práticas que corroem a saúde de quem trabalha. A repetição de modelos desgastados demonstra que a lógica produtiva ainda se apoia na ideia de que o corpo é um recurso expansível, quando tudo indica que ele é justamente o limite que deveria orientar qualquer forma de organização laboral.

A possibilidade de mudança aparece quando as empresas substituem a pergunta tradicional sobre qual escala favorece o negócio por outra bem mais complexa: qual arranjo permite que as pessoas permaneçam inteiras enquanto produzem. Essa virada exige revisão de expectativas, reorganização de processos e abandono de estruturas que sobreviviam apenas porque seus custos subjetivos eram invisibilizados. Nada disso ocorre sem resistência, mas toda transformação significativa começa quando se admite que a vida não pode ser administrada como se fosse apenas um componente da produtividade, pois traduz a recusa a uma lógica que transforma descanso em concessão e trata a exaustão como se fosse um efeito colateral aceitável.

O projeto de acabar com a escala 6x1 é ao mesmo tempo urgentíssimo e simbólico. Urgentíssimo porque a lógica de jornadas longas e descansos escassos está claramente associada à deterioração da saúde mental, diminuição da qualidade de vida e adoecimento em série. Simbólico porque representa o reconhecimento político e institucional de que os trabalhadores não são máquinas: seus corpos e mentes importam, e o tempo de vida não pode continuar sendo moeda de troca da produtividade.

Se aprovada, essa mudança pode abrir caminho para um outro tipo de trabalho — mais humano, mais sustentável, mais digno. Mas só vai valer a pena se for acompanhada de cuidado real com as condições de trabalho, controle da intensidade, negociação coletiva, respeito aos direitos e, sobretudo, escuta das pessoas.
E, nesse cenário de revisão profunda das jornadas e das formas de organização do trabalho, a Síncrona pode colaborar justamente onde a mudança encontra resistência: apoiando empresas na construção de ambientes mais humanos, na escuta qualificada das equipes, na análise dos riscos psicossociais e na criação de práticas que sustentem saúde, dignidade e pertencimento no cotidiano laboral.

fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/12/64-dos-brasileiros-defendem-fim-da-escala-6x1-aponta-pesquisa-datafolha.shtml

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