Redes sociais e o universo das aparências.

Nos últimos anos, as redes sociais se tornaram um grande palco onde cada pessoa compartilha pequenos recortes do que vive: fotos de viagens, conquistas profissionais, momentos de lazer e mais uma série de registros de fatos incríveis de sua vida ‘feliz’ (será?). 

Mesmo sabendo que se trata de registros filtrados e editados para estarem ali, ainda assim é comum sentirmos algum tipo de desconforto interno ao nos depararmos com tudo isso, como se estivéssemos sempre a um passo (ou mais) atrás em comparação aos outros.

Racionalmente, entendemos que aquilo que vemos é apenas uma pequena parte da história, mas o funcionamento das redes muitas vezes não se comunica com a nossa racionalidade. A forma como consumimos o conteúdo — rápida, ininterrupta e distraidamente — ativa respostas cerebrais e psicológicas que acontecem antes mesmo de termos consciência do que estamos vendo.

Um estudo recente sobre o design de plataformas digitais mostra que o mecanismo de scroll infinito favorece estados de atenção dividida, absorção e imersão automática, antes mesmo de qualquer reflexão consciente. Isso reduz a autoconsciência e dificulta o registro real do que foi consumido; é exatamente nesse momento, entre o impacto automático e a consciência, que a comparação surge de forma rápida, sutil, quase inevitável. E, junto dela, a sensação de insuficiência.

O que muitas vezes esquecemos é que ninguém expõe tudo. Os desafios, as dúvidas, a exaustão, as inseguranças quase nunca aparecem com a mesma frequência que os cenários incríveis, e essa diferença entre o que se mostra e o que se vive cria uma régua injusta para mensurarmos nossa própria vida.

É importante entendermos que essa é uma resposta natural do nosso cérebro dentro de um ambiente que foi totalmente pensado para reter nossa atenção; a partir dessa constatação fica mais possível suavizar a autocrítica e olhar para nós mesmos de forma mais compreensiva.

Além disso, a clareza sobre esse processo todo nos devolve algo precioso: a escolha. Mesmo que o funcionamento das redes seja rápido e automático, grande parte da experiência depende das nossas escolhas em relação ao que consumimos. Selecionar o conteúdo que seguimos é um gesto de proteção emocional; é importante filtrar e silenciar o que não nos faz bem e nos cercar de pessoas reais com corpos reais, rotinas reais e vidas possíveis, para assim poder reconstruir uma relação mais saudável com essas ferramentas que podem ser tão potentes e, ao mesmo tempo, tão prejudiciais.

 Cada seleção que fazemos é uma forma de nos lembrar de que não precisamos alimentar comparações com padrões inalcançáveis; podemos (e devemos) escolher seguir referências mais humanas, acessíveis e diversas, que ampliam o nosso olhar ao invés de nos diminuir.

Nosso tempo já é tão escasso para perdermos com algo que nos faz mal, não acham?

E para além disso, o óbvio precisa ser dito: nada substitui o que acontece fora das telas.

A vida real, com seus ritmos, pausas, vínculos e imperfeições sempre nos preencherá mais do que qualquer recorte digital, além de diminuir o poder das redes sobre a nossa autoestima.

 Que possamos usar as redes com consciência, escolhendo ativamente o conteúdo que seguimos, o tempo que investimos e o olhar atento para o que realmente nos preenche.

Na Síncrona, oferecemos acompanhamento psicoterapêutico para quem sente que as redes sociais e o mundo acelerado de hoje amplificam a comparação, a ansiedade e a relação consigo. Nosso trabalho fortalece a consciência emocional e a presença, para que você possa se relacionar de forma mais gentil com o próprio corpo, a própria história e com o mundo digital de um lugar com mais autonomia.

Referências

  • Ruiz, N., Molina León, G., & Heuer, H. (2024). Design Frictions on Social Media: Balancing Reduced Mindless Scrolling and User Satisfaction. estudo que demonstra como o design de “scroll infinito” está associado a estados de absorção mental e diminuição da autoconsciência. arXiv+1

  • Sá, M. E. de. (2024). Reféns do Feed Infinito: Algoritmo, distorção da temporalidade e saúde mental. Trabalho de Conclusão de Curso que analisa o impacto do algoritmo de feed infinito na percepção da realidade e no comportamento dos usuários. Repositório IF Goiano

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