Corpo não é pauta.

Nós, mulheres, crescemos aprendendo (na pele) que nossos corpos foram feitos para serem observados, avaliados e classificados. É como se existisse um foco permanente apontado para cada detalhe do tamanho, forma, peso ou aparência, mesmo quando nada é dito; até porque, desde muito cedo, aprendemos também a olhar para nós mesmas com essa lupa crítica e implacável.

Mesmo quando aparecem na forma de “elogio” ou “preocupação”, os comentários sobre o corpo carregam uma mentalidade que atravessa gerações: a ideia de que o nosso corpo é um projeto a ser corrigido, ajustado ou melhorado.
Nunca é suficiente.

Esse pensamento não nasce de uma experiência individual; ele é produto de uma indústria bilionária construída para nos convencer de que nunca seremos o bastante, nos mantendo ocupadas, inseguras e permanentemente buscando “ser melhor”. É sobre esse mecanismo de controle que Naomi Wolf discute no livro O Mito da Beleza.

A magreza idealizada, a pele perfeita, os procedimentos que prometem juventude eterna ou emagrecimento rápido: nada disso é por acaso. São ferramentas que reforçam padrões praticamente inalcançáveis. E, enquanto estamos ocupadas tentando nos encaixar, nos distanciamos da nossa própria autonomia, potência e liberdade.

Não é coincidência que o controle sobre os corpos femininos se intensifique justamente quando avançamos em direitos, educação e autonomia. A equação é simples: quanto mais conquistamos espaço — nos ambientes políticos, sociais e profissionais — mais surgem mecanismos sociais e mercadológicos que tentam nos conduzir de volta para um lugar de insuficiência. E é por todos esses atravessamentos que muitas mulheres — talvez a maioria de nós — não têm uma relação tranquila com os próprios corpos. 

Elogios como “você emagreceu, está linda!” ou alertas como “cuidado para não engordar” reforçam a lógica de que a magreza é um ideal a ser perseguido, enquanto o ganho de peso é um problema. Mesmo quando a intenção é boa, o impacto pode ser profundamente doloroso.

Esse tipo de comentário carrega, inclusive, a crença equivocada de que corpos magros representam saúde e de que corpos gordos representam doença. A realidade é muito mais complexa: existem inúmeros motivos para um corpo mudar: saúde mental, genética, rotina, estresse, medicação, necessidades emocionais, heranças familiares e tantos outros.

Quando alguém comenta sobre o corpo de uma mulher, reforça a ideia de que ele existe para ser observado e julgado; isso alimenta a vigilância estética, interna e externa, e escancara a sensação de insuficiência, podendo gerar gatilhos profundos.

O formato dos corpos é uma característica física, não um diagnóstico.

Os corpos mudam ao longo do tempo porque dizem respeito à vida, às histórias, emoções e processos que carregam.

Parar de comentar sobre corpos é abrir espaço para algo muito maior: o reconhecimento de que nós, mulheres, existimos para além — e independentemente — da nossa aparência. Somos feitas de subjetividade, história, complexidade e presença.

Na Síncrona, acompanhamos mulheres que desejam transformar a relação com o próprio corpo, compreendendo suas histórias, emoções e necessidades de forma profunda e cuidadosa. Nosso trabalho busca fortalecer a autonomia, ampliar consciência e reduzir o peso da cobrança estética, na intenção de que o corpo deixe de ser uma barreira e a vida possa seguir em direção ao que realmente importa, inclusive no campo profissional.

Cuidar da saúde mental é abrir espaço para escolhas mais livres, presentes e alinhadas a quem você é.

 

Referências

• Wolf, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres.
• Tebbe, E. A., & Brown, C. S. (2022). Weight bias e impactos emocionais de comentários corporais em mulheres. Journal of Counseling Psychology.
• Puhl, R., & Suh, Y. (2015). Stigma de peso e saúde emocional. Psychological Bulletin.
















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