Quando o cansaço pede açúcar: o que o corpo tenta comunicar?

Há dias em que parece que só um doce resolve.
Depois de horas atendendo, planejando, cuidando de demandas e pessoas, a mente pede um descanso e o corpo traduz esse pedido como vontade de açúcar.

Isso não é falta de força de vontade, é fisiologia.
Quando o cérebro está cansado, ele busca por energia rápida. Como o açúcar é uma das fontes mais imediatas de glicose, o principal combustível para seu funcionamento, acaba se tornando o atalho perfeito para “dar conta”, mesmo que por pouco tempo.

O problema é que esse atalho é curto: logo depois do alívio vem a queda de energia e, muitas vezes, a culpa; um ciclo que esconde o verdadeiro pedido do corpo: descanso, pausa, escuta.

O cérebro humano é muito rico de células nervosas (neurônios), e por isso consome cerca de metade da glicose usada por todo o corpo para as suas funções serem cumpridas, segundo a Harvard Medical School (Harvard, 2016). Quando vivemos sobrecarregados por excesso de decisões, prazos, estímulos e poucas pausas, ocorre o que a neurociência chama de fadiga mental. Nesse estado, a área responsável pelo autocontrole e planejamento (o córtex pré-frontal) perde força e as regiões de recompensa ganham destaque (Global Council for Brain Science, 2022); ou seja: quanto mais cansados estamos, mais buscamos prazer imediato e o açúcar aparece como um conforto rápido.

Estudos mostram que esse processo é natural; a fadiga mental reduz a capacidade de decisão e aumenta a tendência a buscar recompensas rápidas para manter o funcionamento do cérebro. 

Isso não é fraqueza: é o corpo tentando se autorregular.

O açúcar não é inimigo; ele se torna um problema quando é a única forma de cuidar de si.
Talvez o corpo não esteja pedindo glicose, mas pausa, sono, respiração, alívio, e pesquisas reforçam essa relação: a falta de sono, por exemplo, altera hormônios como grelina e leptina, aumentando o apetite e o desejo por alimentos calóricos e doces (MDPI, 2023). 

O consumo frequente de açúcares ativa circuitos de recompensa no cérebro, especialmente nas regiões ligadas à dopamina, tornando o ciclo do “doce como recompensa” cada vez mais automático (PubMed, 2017). 

Além disso, a ideia de que o açúcar “dá energia” é, na verdade, um mito, pois logo após o pico de glicose, ocorre queda de alerta e aumento da fadiga — o oposto do que esperamos (Medical Brief, 2019).

O doce, então, não resolve o cansaço: apenas mascara o que o corpo tenta dizer.

 Quando olhamos para esse processo com atenção, entendemos que autocuidado nos ajuda a decifrar o que o corpo comunica por meio de seus impulsos.

Alguns gestos simples podem ajudar a restaurar o equilíbrio entre corpo e mente:

  • Sono como prioridade: uma boa noite de sono melhora a regulação emocional e hormonal. Um estudo com mulheres adultas mostrou que a privação do sono aumentou o desejo por doces e o tamanho das porções consumidas (PubMed, 2019).

  • Pausas reais ao longo do dia: o cérebro precisa de intervalos para se reorganizar e reduzir a fadiga mental.

  • Respiração consciente: mesmo poucos minutos de atenção plena reduzem a ativação do sistema de recompensa impulsiva.

  • Movimento gentil: a atividade física melhora o humor e reduz o consumo automático de alimentos como compensação emocional.

  • Alimentação com presença e sem culpa: estudos mostram que a restrição muito rígida de alimentos desejados pode aumentar o desejo e levar ao efeito rebote (PubMed, 2020).

Mais do que evitar o açúcar no momento de exaustão, o convite é ouvir o que esse desejo de doce está tentando dizer.
Talvez ele esteja comunicando que o ritmo está pesado, a pausa escassa, e que o corpo sente falta de descanso.

Na Síncrona, acreditamos que cuidar de si é escutar com gentileza o que o corpo comunica.
Muitas vezes o cuidar de si vem em forma de silêncio, de pausa, de um olhar curioso para o próprio cansaço, e não em forma de produtividade, metas ou regras.

 

Referências:

HARVARD MEDICAL SCHOOL. How sugar affects the brain. Harvard University, 2016. Disponível em: https://hms.harvard.edu/news-events/publications-archive/brain/sugar-brain. Acesso em: 3 nov. 2025.

GLOBAL COUNCIL FOR BRAIN SCIENCE. The neuroscience of decision fatigue. 2022. Disponível em: https://www.gc-bs.org/articles/the-neuroscience-of-decision-fatigue. Acesso em: 3 nov. 2025.

MDPI. Sleep deprivation’s influence on appetite-regulating hormones: ghrelin and leptin systematic review. Journal of Clinical Medicine, v. 5, n. 2, p. 48, 2023. Disponível em: https://www.mdpi.com/2673-4168/5/2/48. Acesso em: 3 nov. 2025.

NOBLE, E. E.; HAHN, J. D.; ROTH, C. L.; CECARINI, J. et al. Sugar intake, reward processing, and decision-making: neurobehavioral mechanisms. Frontiers in Neuroscience, v. 11, p. 435, 2017. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28179221/. Acesso em: 3 nov. 2025.

MEDICAL BRIEF. “Sugar rush” is a myth – actually lowers alertness, increases fatigue. 2019. Disponível em: https://www.medicalbrief.co.za/sugar-rush-myth-actually-lowers-alertness-increases-fatigue/. Acesso em: 3 nov. 2025.

BRONDANI, L. A.; CARRARO, J. L.; VITOLA, L. A. Effects of sleep restriction on food intake and food selection in women. Appetite, v. 138, p. 203-210, 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30893841/. Acesso em: 3 nov. 2025.

MEULE, A.; KÜBLER, A. The effect of food restriction on food craving: a systematic review. Appetite, v. 149, 2020. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32578025/. Acesso em: 3 nov. 2025.

Anterior
Anterior

A herança da culpa e a coragem de descansar

Próximo
Próximo

O mito da otimização do tempo: o preço de fazer tudo ao mesmo tempo